Estava agora mesmo deitada na cama, a olhar para as quatro
paredes que me envolvem, a mesma cama em que nos amámos tantas vezes, e
lembrei-me de ti. Lembrei-me de quando achava que existiam relações perfeitas e
que a nossa era uma delas. Lembrei-me das promessas e dos planos, que
entretanto, ficaram perdidos em algum lugar. Aconteceu tanta coisa, vivemos
tanto a vida um do outro que estremeço só de pensar que um dia posso não me
lembrar bem dos pormenores de cada momento contigo. Não te amei no dia em que
te conheci, mas fiquei a conhecer-te no primeiro dia em que te amei. No tempo
em que tudo era claro, tudo era fácil e dava gosto em ser vivido. Não foi
aquele amor cego que encontramos em filmes e em livros, que nos corta a
respiração e nos some com o chão de baixo dos pés. Mas foi um amor que chegou
com silenciador, foi entrando pela minha porta e aos poucos foi-se instalando,
foi-se ambientando a tudo e eu ambientei-me a ele. Chegou tão devagar, que a
meio, tinha a força de dois mundos juntos. Era inacabável o amor que eu tinha
por ti. Sentia a garganta arder-me só de pensar que algum dia podia haver a
possibilidade de estarmos separados. Perdia as forças só por essa remota ideia
me passar pelo pensamento. Lembras-te quando presenciámos as juras de amor dos
nossos amigos? Tu não desejavas que isso acontecesse connosco, mas eu via
felicidade no teu olhar naquele momento e havia uma luz de esperança que se
acendia dentro de mim.
Falávamos tantas vezes dos filhos que ambos desejávamos tanto
ter juntos, discutimos sobre a educação que iriam ter, mas estranhamente, nunca
falámos de nomes, tu nunca querias pensar muito nas coisas antes de elas
acontecerem. Ias com o vento, e eu gostava sempre de ver primeiro o sabor que
ele levava.
Às vezes viajávamos juntos e a nossa sensação de liberdade e
felicidade era tão real que o mundo era só nosso durante momentos, eram
momentos em que eu achava que não havia no mundo nenhum amor mais forte que o
nosso.
Mas isso era no tempo em que havia magia. Ou pelo menos, em
que eu acreditava nela. Acho que tu nunca acreditaste, mas eu pus na minha
cabeça que sim. Acho que vivi um conto de fadas, com princesas, palácios,
carruagens e sapatos de cristal, mas a maior parte do tempo, isso só existia na
minha cabeça.
Acreditei tanto que era envolvida por perfeição, que tudo o
que fugisse desse prisma era um turbilhão na minha cabeça. Ambos sabemos o que
faltou e o que foi dado em demasia. Eu nunca pedi mais do que aquilo que dava,
mas muitas vezes aceitei menos do que aquilo que realmente merecia. Na vida
real, as pessoas inteiras só se deviam encontrar com pessoas inteiras, e as
metades, com as metades. Mas a vida não é linear. As coisas acontecem. Tu
aconteceste-me. E eu não mudava nada quanto a isso, apenas evitava transtornos
que nos impediram de nos amar mais, melhor, com mais clareza, desde cedo. Não
que tu não fosses a pessoa espetacular, amiga, preocupada e cuidadosa, que sem
dúvida, és. Mas faltou os pormenores. Não houve traição, não houve
desconfiança, não houve ninguém a tentar estragar o que contruímos. Apenas
houve duas pessoas, não mais que nós próprios, que fizemos com que tudo se
destruísse. Seja por falta de um beijo na hora exata, por falta de um carinho
num momento de carência, por falta de uma mensagem reconfortante numa hora de
solidão. Por falta do respeito que devia de existir, ou até mesmo por falta do
controlo de gestos e palavras que devia de ter havido. Por isso, e por nada,
fomo-nos destruindo. E na minha cabeça, não faz sentido colecionar dias, meses,
anos, só porque sim. Existe por aí muitas pessoas com falta de coragem que
vivem só porque sim. Confesso que pensei em tornar-me uma dessas pessoas, acomodar-me,
dar pulos de alegria quando tu fazias um gesto que deveria ser tão natural como
um “bom dia” de manhã. Pensei nisso. Pensei ser cobarde e continuar a amar-te,
sem me amar a mim.
Mas depois percebi que não merecia isso. Não podia deixar-me
ficar com o suficiente, se eu ambicionava tanto. Porque é que não tenho o
direito de ser feliz na plenitude? Logo eu, a pessoa que eu sou? Claro que
tenho. Claro que serei. Por agora, não tenho nada. Não tenho nada a não ser
fotografias tuas espalhadas por toda a parte. Roupas que ainda sustentam o teu
cheiro, as quais eu me recuso a lavar, e luto para não chegar perto. Não tenho
nada a não ser coisas que me façam lembrar de ti. Estás em todo o lado. Estás
no banco do meu carro, estás na minha cozinha, estás na minha sala, estás no
meu quarto. Lembro-me de ti em todo o lado, porque tu estavas sempre aqui. Não
consigo olhar para as coisas que nos unem sem que os meus olhos se encham de
água. Provoca-me o ardor na garganta que eu tinha só de pensar. E agora é real.
Tu já não estás aqui. E sim, fui eu que escolhi assim. Eramos tão diferentes
mas eu sempre achei que conseguia lidar com isso, ou então mudar o mundo,
mudar-te a ti, mudar-me a mim. E não consegui fazer nenhuma dessas coisas. Como
vês, também não consegui fazer tudo. Também falhei. Talvez até a culpa não
tenha sido tua, se calhar foi minha. Não soube lidar, não soube esperar, não
soube perceber que tinha de ser assim. Não me conformei. E agora, está um para
cada lado. E cada lado é tão mais longe do que eu alguma vez imaginei. Ao teu
lado sentia-me em casa. Sentia-me protegida, e que não tinha de ser outra pessoa,
se não eu própria. Sentia que eras meu, e que eu era tua. Mas isso não bastou.
Não basta um de nós transportar todos os sentimentos mágicos do mundo, se não
existe uma base sólida para suportar. Quando amamos, temos de mostrar. Seja de
que maneira for, mas temos de agarrar numa maneira e fazê-la ganhar vida. Eu arranjava
sempre tantas maneiras. Eu inventava tantos jeitos. Sei que nunca foste bom a
escrever, mas podias tentar desenhar. Nunca foste bom a falar, mas podias
tentar cantar. Há sempre tantas maneiras. Mas preferiste desistir. Se calhar
nem tu te apercebeste disso, mas eu digo-te, aquilo que estavas a fazer, era
desistir.
Amei-te como se ama um parceiro, como se ama um homem de
verdade, como se ama a pessoa que queremos que siga os nossos passos sempre ao
nosso lado. Ainda te amo. Às vezes sinto que te amo todos os dias mais, e
quanto mais longe te sinto, mais vontade tenho de te sacudir e fazer-te
perceber o quanto és importante na minha vida. O quanto te vivo, o quanto te
estimo. O quanto eu desejava que isto desse certo. Acho que por tudo aquilo que
vivemos, nunca vou deixar de te amar. Vais estar sempre guardado em mim, por
toda a vida que vivemos juntos. Ensinaste-me a ser mulher. E o que há de mais
importante do que uma menina aprender a ser mulher? Foste tu que me fizeste ser
forte, olhar para as coisas de outra maneira. Ensinaste-me tanto, que acho que
desaprendeste e esqueceste que também precisavas de aplicar em ti certas lições.
Espero que a bola ardente que sinto na minha garganta, as
cordas embrulhadas que tenho dentro do meu estomago, passem. Espero que deem
lugar às borboletas. Espero que o nosso amor ganhe a batalha, ganhe a guerra,
ganhe tudo. Porque foi para isso que ele nasceu, para ganhar sempre. Espero que
saibas o significado de dar valor a pessoa que se tem ao lado e espero que
percebas que no mundo tudo se transforma, tudo se molda. Espero que te moldes,
tal como eu sempre fiz. Espero que te respeites, e que me respeites a mim.
Espero poder voltar a ouvir a palavra amor vinda dos teus lábios acompanhado
por o sorriso mais lindo e travesso que eu já vi. Espero que me ames. Espero
que o proves. Espero não morrer de amor, não assim, não agora.
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