Olá amor,
Há já algum tempo que não nos
falamos, que não sabemos nada um do outro, e há uns poucos dias que o nó que se
forma na minha garganta, sempre que preciso de transbordar pela boca o que me
vai no coração, me avassala. Acho que preciso de te contar, porque afinal, eu
sempre te contei tudo em primeira mão: Estou apaixonada. Desde há muito tempo
que não sentia o que sinto neste momento. Já nem me lembrava bem da emoção de
um início. A ansiedade, a vontade de querer estar perto, de abraçar, de querer
cuidar, de sentir que aquela pessoa faz parte de nós. Está aqui. Estou a sentir
tudo isso. Acho que nem conseguirias acreditar. Tenho vivenciado coisas que
nunca antes fiz. Coisas simples, sabes? Sem muita complicação. Sem muita
confusão para decidir tudo. Pegar no carro e ver para que lado da estrada nos
apetece ir, pode ser tão bom. Temos coisas tão lindas, tão perto de nós. Nem
acredito que não dava atenção antes às pequenas coisas. Acho que queria tanto
correr, que me esquecia sempre de que tinha de aprender a andar. Andar é tão
bom. Nem imaginas. As coisas materiais são importantes, necessárias, mas as
pequenas coisas, aquelas, lembraste? Que não fazíamos por serem tão simples,
têm agora um gosto tão bom. Passávamos tempo de mais a combinar viagens que
nunca foram feitas. A discutir restaurantes de jantares que muitas vezes não se
realizavam, e nem sabíamos que havia um mundo lá fora, sem preços, sem exigir
planeamento antecedente. Sei lá. É isso, agora nem sei. É tudo diferente. Nada
é igual. Sabes, foi um caminho longo até aqui. Mas estou a conseguir tudo
aquilo que queria, e continuo a querer. A persistência sempre foi o meu forte,
e é verdade, tinhas razão, quando faltamos, sentem a nossa falta. É tão bom
quando sentem a nossa falta. Lembraste? Sentimos muito pouco a falta um do
outro. Era bom sinal, as nossas vidas cruzavam-se frequentemente. Mas vá lá, tu
sabes, já não havia aquela saudade. Aquela. A que eu sinto agora. A do início,
lembras-te? Os inícios. Aquela coisa deliciosa. Ouvir baixinho um “gosto muito
de ti” pode ter um poder tão forte… Sentir um abraço apertado faz-nos crescer
tantos centímetros. Reciprocidade. Ultimamente essa palavra não me sai da
cabeça. É tão importante. Move tudo. Sabes o que é? Igual das duas partes, para
as duas partes. Tu dás, e logo se seguida recebes na mesma medida. Recebes, e
logo de seguida devolves na mesma medida. Sempre mais, nunca menos. Acho que no
nosso tempo não conhecíamos essa palavra. Se conhecêssemos, talvez lhe dessemos
uso, não achas? Mas também, acho que entendo. É verdade, agora entendo muitas
coisas. É estranho, é diferente, não é melhor nem pior, é apenas completamente
desigual. Aos dezassete anos queremos sentir tudo. Queremos amar com todos os
membros do nosso corpo. Com toda a nossa alma. Queremos não perder tempo, com
medo que ele se acabe. Aos dezassete anos queremos sair de casa para ir viver
aquele amor e dedicar todo o tempo a ele. Queremos mergulhar nele, gritar ao
mundo que amamos tanto um ser. Lembras-te? Era muito isso. Aos dezassete anos
sabemos que aquilo não pode ser nem mais nem menos que o amor da nossa vida,
que nada será igual, é impossível. E hoje, sabes o que sei? Que é mesmo
verdade. Não há amor como o dos dezassete anos. Aquelas promessas todas, de que
nunca nos vamos esquecer, é mesmo verdade. Nunca. Que amor. Será que algum dia
sentiste por mim aquilo que eu senti por ti? Acredito que sim, só tinhas uma maneira
diferente de o provar. Mas eu… que fogo, que paixão, que amor, que vontade. Foi
tudo isto, sempre. É difícil, desafiador. Ouvi tantas vezes perguntarem-me como
é que passado tanto tempo de relação, eu ainda me sentia assim. Fazias-me
levitar, mesmo sem estares ao pé de mim. Em cada “que chata”, em cada “estou
farto disto”, eu amei-te. Amei-te tantooooo. Tanto. Até faz arder o peito. É ridículo.
Não devíamos conseguir amar assim outro ser, que não nós próprios. Mas é assim.
Aos dezassete anos, achamos que somos inabaláveis, que o mundo é nosso e que o
amor é para ser vivido e sentido com a maior intensidade que se pode ter. Independentemente
de tudo o resto. Mas agora, não é mais assim.
Estou apaixonada, amor. É mesmo
verdade, é mesmo possível. Achei tanto que não. Que alívio saber que existem
sensações dentro de mim. Que delicia. Agora, que estou quase tão perto dos
dezoito, como dos trinta, vejo as coisas de forma tão diferente. Sabes que não
existem contos de fadas? Nem imaginas a desilusão que eu senti quando descobri.
Por um lado, obrigada por não me teres dito a verdade. A ignorância deixou-me
feliz, tão feliz. Mas agora, é diferente. Agora eu olho para as coisas de frente,
tal qual como elas são. E o desafio está aí. Amar alguém por tudo perfeito é
tao fácil. Era por isso que era tão fácil. Mas agora, amar alguém, com defeitos,
coisas alheias ao nosso quotidiano, respeitar e ainda assim querer ficar, isso
sim, é difícil, isso sim, prova o que é realmente gostar da pessoa que está a
nossa frente. Tenho vindo a perceber que amar só faz sentido, se for vivido,
vi-vi-do, por duas pessoas. Muito do nosso amor eu vivi sozinha. Às vezes dou
por mim a tentar lembrar-me de momentos que tenhamos colecionado, e
estranhamente, não me lembro de tantos assim. Aquelas viagens que fizemos,
tinham tudo para ser lindas, mas antes delas, discutíamos sobre tudo o que se
ia passar, e durante, discutíamos sobre coisas que se estavam a passar. Não me
lembro de nenhuma viagem em que não houvesse uma discórdia chata. É estranho
não é? Eu vivi-te tanto. Amei-te tanto. Mas agora eu entendo muitas coisas.
Elas não matam, mas moem. Finalmente percebi o significado deste ditado. É tão
simples de perceber, mas tão complexo de explicar. Para falar a verdade, a
nossa relação sempre foi rodeada por um nevoeiro constante de discórdias e discussões,
mas amor, eu amei-te tanto. Isso é que era importante. Eu vivi tanto o nosso
amor, mas muitas das vezes, sozinha. Dei por mim tantas vezes feliz, de olhos a
brilhar a falar de ti, a explicar como eram os contos de fadas, tanta gente que
disse que tínhamos a relação perfeita. Diziam que eramos lindos juntos. Já
viste? Que amor que era, mas eles não sabiam que o que não matava, continuava a
moer. Agora, os critérios são outros. Contigo vivi um amor de cinema, de filme,
de novela, de desenhos animados. Mas foi muito isso, demasiado isso. É lindo,
mas não é assim tão real. Os dezassete anos são lindos. Vemos brilho em tudo.
Não importava não termos grandes planos, não viajarmos, não olharmos para o
céu, não ficarmos calados, simplesmente, a contemplar a vida a acontecer. Isso
não importava nada, o desrespeito e as faltas de tolerância? O que era isso ao
pé do amor que eu sentia? A felicidade que eu sentia no meu coração, o romance
que eu vivia dentro da minha cabeça, superava tudo. Às vezes, quando estava
contigo, pensava que as coisas não eram assim tão cor-de-rosa, mas depois
tentava sempre tapar o sol com a peneira, afinal, eu tinha tudo tão bem
detalhado na minha cabeça. Lá, estava tudo perfeito. Acho que nem imaginas. Mas
sabes amor, agora sei porquê. Os dezassete anos são lindos. Vou guardá-los para
sempre. Que amor, que felicidade, que vontade incontrolada de viver e de gritar
ao mundo.
Mas agora, que estou quase tão
perto dos dezoito, como dos trinta, e vejo as coisas de forma diferente, tudo
faz sentido. É claro que nos amámos, é claro que cuidámos e nos importámos
muito um com o outro, houve amor verdadeiro, é inquestionável. Mas e o resto?
De que valem as flores, se não lhes tiras os espinhos? Demorei algum tempo a
perceber as coisas, a perceber o que sentia, o que sinto. O porquê das
diferenças, das semelhanças. De tudo. E agora já sei, estou apaixonada.
Estou apaixonada por alguém que
me faz sentir especial, todos os dias. Acreditas? Se tivesse outra vez
dezassete anos quase que diria que era um conto de fadas. Mas já não tenho, e
já sei que eles não existem. Agora, tenho os pés na terra. Estou apaixonada com
clareza e certeza. Consegui colar-me ao solo e parei de levitar. Ele não fala alto
comigo, dá para acreditar? Às vezes nem sei bem como lidar com tanta calma. Não
discutimos por coisas simples, acho que não discutimos de todo, trocamos ideias
e pontos de vista. Nem sabia que isto era possível sem provocar efetivamente
uma discussão. Ele tem paciência para mim e para a minha lerdice aguda, sabias?
Quando eu digo daquelas que não lembra a ninguém, Ele ri-se. Rimo-nos os dois.
Gozamos os dois com a minha tolice. E depois é qualquer coisa como “querida,
vou-te explicar, está bem?” Acreditas? Explica-me sem me fazer parecer
ignorante. Acho que Ele sabe que sou inteligente, só que tenho preguiça de
pensar, e Ele gosta de pensar por dois, tem prazer em explicar-me tudo, e eu
tenho tanto prazer em aprender. Faz-me crescer em tanta coisa. Melhor ainda,
diz-me muitas vezes que sou linda. Sabe tão bem. Às vezes sei que ele não está
a falar literalmente a sério, são as vezes em que estou com roupa de índia, com
o cabelo todo no ar, sem maquilhagem na cara e a lamber os dedos depois de
comer um gelado. Estás a imaginar o cenário, não é? E Ele diz que estou linda
assim. Sabe tão bem. Acho que quando diz isso não é pela aparência, mas pela inocência
e simplicidade que eu transmito e que Ele vê. Ele vê tantas coisas. Aquelas que
eu estava habituada a serem só minhas, por ninguém reparar, nem mesmo tu. Ele
vê. Ele sente. Ele sabe. Incrível, não é? Já achei que tivesse a ver com o início.
Os inícios, aquela coisa deliciosa, mas nos entretantos, percebi que não. É
mesmo Ele. Mesmo na perfeição dos inícios conseguimos perceber logo a
personalidade das pessoas. Sabemos se aquela pessoa se chateia com muito ou com
pouco, se ferve em muita ou pouca água, se tem muita ou pouca paciência, e
mesmo sem haver nada de outro mundo, nada que eu possa dizer de “indubitavelmente
perfeito”, eu consigo perceber que esta é a forma de Ele ser, sempre. E eu
apaixonei-me por Ele. Nem sequer me diz constantemente que me ama ou que gosta
de mim. Mas quando olha para mim, quando observa, eu sinto-me arrepiada. Existe
amor ali. Não, não é esse, não é aquele amor dos dezassete, que tira o ar e nos
faz ter vontade de saltar de paraquedas. Esquece. Este amor é diferente. É mais
consciente. Está em cada gesto, em cada palavra sussurrada ao ouvido, em cada
aperto mais forte, em cada beijo, em cada silêncio até, em cada coisa simples,
que eu nem sequer imaginava que podia conter amor. Naquelas coisas que ninguém
liga, sabes? Quem é que se vai lembrar de trazer o pequeno-almoço, ou os
morangos com chocolate depois da noite de trabalho? Quem é que se importa em
perguntar constantemente se estamos bem, se temos frio, ou se temos calor, ou
fome? Que coisa de mães. Mas sabes, Ele lembra-se. Ele lembra-se sempre de mim,
e nem sequer precisa de o dizer, porque eu sinto-o. Mas sabes aquela coisa que
não dizemos por acharmos que a outra pessoa já sabe e que é desnecessário? Ele
diz. Ele sabe que falar é bem melhor que não falar. E quando não o consegue
fazer, arranja uma forma bem clara de o demonstrar, para que eu entenda, e eu
entendo quase sempre. Eu achava que era só nos filmes que, quando começava a
tocar uma música no rádio do carro, os amantes se beijavam e abraçavam. Mas não
é. Existe sintonia ali. Que coisa tão estranha. Não estava habituada a isto. Às
vezes começa a entoar uma música em que a letra faz sentido, ou o feeling cai
bem, e Ele apenas me dá a mão e olha para mim como quem diz “Escuta. Esta
música é nossa”, às vezes pede-me um beijo, imagina só, pedir um beijo, que
coisa tão rara na minha experiencia. Enfim. Podia continuar a alongar-me, mas
assim estaria a estragar a surpresa, quero que um dia também testemunhes todas
estas coisas. Acho que nunca mais vou sentir vontade de saltar de alegria e de
gritar ao mundo que amo alguém, daquela maneira descabida e doida. Mas este arrepio,
este bater mais forte de coração, estas dores de barriga só de pensar que isto
pode nunca acabar, é universal. Vamos sentir sempre isso. A diferença é que
agora é visível que o amor é muito mais do que abraços que abafam gritos. É
muito mais do que sorrir na rua e cerrar os dentes em casa, para a pessoa que
se deita connosco. Amor é defender, primeiro que tudo, a pessoa que está ao
nosso lado. É saber que podemos entrar em guerra com todo o mundo, menos com a
pessoa que nos prova todos os dias que quer ali estar, connosco, sempre.
É por isto amor, é por isto que
passado tanto tempo, me voltei a apaixonar. Ele faz-me perceber o valor que
tenho, e que não se pode aceitar menos do que merecemos. Arrisco-me a dizer que
poderei estar perante o homem da minha vida, que ao contrário do que as pessoas
pensam, pode não ser aquele grande amor, dos dezassete anos, sabes? Esse foi um
grande amor, talvez o primeiro, o que nos mostrou o peso de uma desilusão, mas
não o amor da nossa vida, porque esse, só quando já tivermos gasto todos os
anos que nos foram concedidos, só no final da nossa vida é que podemos
convictamente afirmar quem foi, e quem o será, para sempre.
É por tudo isto e pelo que ainda
está por vir, que eu estou apaixonada, e imagina, não é mais por ti.
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