Avançar para o conteúdo principal

Um dia escrevo a nossa história, hoje é o dia


Conheci-te num dia em que a tua presença não fazia diferença nenhuma. Estavas no teu lugar. Eu estava no meu. E tudo bem assim, aparentemente. A história podia nem chegar a ser realmente uma historia e acabar ali, mas algum tempo depois tu sentiste o cheiro do meu cabelo, e gostaste. Mal sabíamos nós o que um cheiro seria capaz de provocar. A maior parte das pessoas iria ignorar isso e pensar no politicamente correto. Mas tu sabes, nós não somos a maior parte das pessoas. Nós seguimos aquilo que nos atrai. E assim foi. Foi atração, muita atração, tanta, como a força de dois polos que se querem unir com urgência. Foi a embriaguez de um cheiro com a inconsciência de tantos olhares penetrantes. Não sabia o que era aquilo, que me fazia perder o raciocínio, que me puxava com tanta força e que não me deixava pensar em mais nada. Fizemos jus à vontade e consumimo-nos como se o amanhã não fosse chegar no dia seguinte. Mas nós sabíamos, o amanhã sempre chega. O ciclo repete-se consecutivamente. Já não havia mais nada para fazer ali e o sorriso de despedida foi de quem sabia disso. Mas o amanhecer do dia seguinte não trouxe, estranhamente, nenhum sabor amargo ou de arrependimento. E foi quando percebemos que também não havia nada a fazer fora dali, e fomos ficando. Sentimentos de culpa, incertezas, noção do errado e medo do risco, foi tudo aquilo que tentámos esconder, e também tudo aquilo que nos fazia ficar, todos os dias, cada vez mais. Durante muito tempo fomos duas peças soltas de puzzles diferentes, que encaixavam na perfeição. Mas era só isso. Um jogo. Em que não podia haver sentimentos, não podia haver sequer qualquer tipo de afinidade fora daquele contexto. Deixaste-o claro tantas vezes. Estava proibida de me apaixonar por ti, de te tocar de uma forma mais afetiva, estava até proibida de confessar os pecados que cometíamos, constantemente. Mas ainda assim, fomos ficando. Não sei bem como, nem porquê, mas o final do dia sem ti não tinha o mesmo sabor. Os fins de semana a suportar os teus vícios e manias, tornaram-se na água que me matava a sede. Eu não queria quase nada daquilo que tu me davas, tu não me davas quase nada daquilo que eu queria. Mas não dava para ficar longe. A dependência do jogo estava a ficar cada vez mais forte, e eu sabia, que não tinha hipótese de o ganhar. Deste-me a conhecer lugares que nem fazia ideia que existiam. Ensinaste-me sobre política, desporto e ensinaste-me os países que fazem parte do Reino Unido. Riste-te de mim, riste-te comigo. Fizeste-me andar quilómetros semanais, para depois comermos gelados sem arrependimentos. Levaste-me a conhecer a felicidade, todos os dias, nas pequenas coisas. Mas era só isso. Tinha tudo de ti, mas não te tinha a ti. Um dia disse-te "ainda te vais apaixonar por mim...", com um sorriso e uma esperança escondida. E tu, com toda a tua segurança respondeste que isso não ia acontecer. A atração que havia era irrevogável, o desejo saía-nos pelos poros e escorria-nos pelo corpo. Desejávamo-nos constantemente, com a adrenalina de quem salta de para-quedas. Explorámo-nos até que nos faltassem as forças. Mas tu sabias, no final do dia, íamos para casa com toda a certeza, completamente vazios, com a mesma certeza que tu tinhas quando dizias que não ia acontecer.
Todos os dias, durante muito tempo, foste-te tornando na minha prioridade. Deixei de parte as minhas vontades, para viver as tuas, habituei-me a elas, para estar sempre contigo. Esgotei todas as formas de te fazer ver que aquilo que estava ali era real, de te fazer ver que às vezes, a vida troca-nos as voltas. "Não quero que te apaixones por mim, não tenho nada para te dar, para além disto", lembraste? Mas tu já me davas tanto... Mas não o suficiente para alguém como eu, que não se contenta com pouco. Mas venceste-me pelo cansaço. Não tinha mais forças. Estava a gastar as minhas energias, por algo que tinha pernas para andar, mas que insistia em ficar sentado. As cartas foram postas na mesa, e o jogo acabou. Já não havia mais a sensação de esperança, já não havia planos mentais. Ficou um vazio ainda maior, mas a sensação de dever cumprido. Fiz tudo, fui tudo, dei tudo. E isso não adiantou de nada. "Mereces mais que isto, e eu não te consigo dar isso". Estava claro. Não havia definitivamente mais nada ali para nós. E a partir dali muitos dos amanheceres deixaram de ter o brilho que tinham. Que idiotice. Era tudo uma divertimento. Era o escape do stress diário. Era a deixa para podermos ser o que queríamos, quando queríamos, sem condenações, sem punições, sem pudor.
E quando acabasse não era suposto deixar um lugar vazio e um sentimento de perda tão forte.

Apaixonei-me por ti.

Chorei de felicidade por perceber que isso era possível novamente. Mas isso não adiantou de nada. Não era para ser. O teu lugar não era comigo, e cada um de nós seguiu o seu caminho.
Mas tu sabes, tu sentiste o cheiro do meu cabelo, e gostaste, lembraste? Viste o que um cheiro foi capaz de provocar? Viste onde nos trouxe? O jogo acabou realmente, e aqui estamos nós.
Deitados lado a lado, na mesma cama. Tu a dormir e eu a garantir que esta história não fica por contar. Há uma altura em que o feeling diz tudo, e isso acontece poucas vezes na vida. Ainda há pouco me disseste "Já viste onde estamos agora?" É verdade. Já viste onde um cheiro nos trouxe, amor? Agora rimo-nos disto tudo, da ironia da vida e até onde ela nos fez chegar.
Agora eu vejo-te adormecer ao meu lado sempre que quero, agora ouço-te dizer que estás completamente apaixonado e que me amas, todos os dias. Agora nós sabemos que devemos sempre seguir aquilo que nos fica a pairar nos sentidos, independentemente das consequências. Agora nós sabemos, que o melhor lugar do mundo é aqui, onde não há lugar para nada mais, a não ser sermos plenamente felizes.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Depois do medo, vem o mundo"

No dia que li esta frase, foi o momento em que entendi tudo.  Depois de toda a tempestade que passou por mim, senti finalmente que descansava sob uma cama de nuvens, cheia de conforto. Achava que era aquilo a recompensa por tudo o que já me tinha atormentado no passado e entreguei-me sem medo. Entreguei-me como quem está tão cansada que coloca as decisões nas mãos de outra pessoa e desfruta do caminho.  Mas Deus tem sempre um plano maior para nós, mesmo quando não entendemos.  Vivi os melhores dias da minha vida, as melhores semanas e os melhores meses. Amei, fui amada, cuidei, fui cuidada, abracei, fui abraçada, beijei, fui beijada. Depois veio a escuridão. Fui deixada como quem fecha uma janela num dia de sol. Assim, nessa rapidez. Os sonhos, os planos, toda a vida que sonhei, puxada debaixo dos meus pés de repente e sem qualquer hipótese de recuperação.  Seguiram-se dias muito duros. Em que me questionei a mim própria, perguntei-me onde é que não fui suficiente, o...

O que fica, quando alguém se vai

 Após um ano e oito meses de “você é a pessoa que eu sempre quis” “que mulher incrível” “eu nunca te vou deixar, você é a mulher da minha vida”, noites de amor, manhãs de promessas, viagens incríveis e uma vida leve, ele foi-se embora com meia dúzia de malas e um “preciso de paz” preso na língua.  Ele foi, mas eu fiquei. Perdida em pensamentos e à procura de respostas que eu não sabia sequer se iam chegar.  Ao fim de dois ou três tombos na vida, não que fiquemos imunes, porque nunca ficamos, mas aprendemos a lidar com as imprevisibilidades da vida. Desta vez, mais madura e mais consciente, percebi que aquilo que os outros fazem, dizem ou decidem, é sobre eles, não sobre nós. Não nos define.  Este término não fez de mim menos mulher, mais fraca, ou menos capaz. Pelo contrário. Fez-me entender que a intensidade não é para todos, que o fogo queima, arde e faz doer e que chega a um ponto que ninguém quer viver nas chamas. Fez-me entender que quem não conversa com os seus...

Akai Ito

Despedimo-nos com um aperto no peito, um olhar triste e uma promessa de regresso que sabíamos que não íamos cumprir. Disseste-me "Vai viver a tua vida, sê feliz, um dia a gente encontra-se".  Eu podia viver mil vidas, tinha a certeza que esse encontro não ia acontecer.  Fomos viver a nossa vida. Vivemos experiencias que certamente naquela época, juntos, não seria possível. Explorámos tudo o que havia para explorar, separados. Fomos vida, demos vida, deram-nos vida a nós. Felizmente, agora sei, não a suficiente. Lembro-me de querer sempre saber de ti, perguntar por ti, não perguntar e ainda assim querer saber se eras feliz. Lembro-me até de ficar feliz pelas tuas conquistas. Guardei-te com amor e carinho num lugar só teu onde mais ninguém tinha acesso e o tempo passou. Faz quinze anos que te amei ao ponto de sofrer horrores por saber que não podíamos ficar juntos, embora quiséssemos. Éramos miúdos. Cheios de vontades e com pouca sabedoria. Olhar para ti naquela altura era como...