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Coragem

Costuma-se dizer que a vida primeiro nos faz fortes, depois felizes. Sempre ouvi isso. Mas nunca tinha entendido o momento em que me fizeram forte, uma vez que sempre fui feliz. Entretanto, ele chegou. Já há algum tempo. Pontapearam-me, rasgaram-me ao meio e atiraram-me por um precipício. Quando cheguei lá abaixo e acordei, tive de piscar os olhos uma quantas vezes para ter a certeza de que estava viva. Aparentemente, ainda respirava, tinha pulsações e continuava a ter visão, embora muito distorcida da realidade. Não me perguntem como ficou a minha cabeça. Ainda hoje eu não sei dizer. 
Quando estava lá em baixo e olhei para cima, ouvi vozes, vi braços estendidos e senti muita energia a envolver-me. Isso deu-me força, mas também me fez perceber que para chegar ao topo eu teria de me recuperar e subir pelo meu próprio pé. Foi aí que começou a jornada da força. Fui buscá-la ao meu mais profundo ser. Fui buscá-la ao fundo do meu coração completamente despedaçado. Foquei-me na esperança. Foquei-me no sentimento prazeroso da felicidade, que já me era intrínseco. Foquei-me que um momento não define uma vida. Julgo que foi isso que fez com que aos poucos, eu conseguisse subir novamente. Mas subir depois de uma queda tão grande não é como nos levantarmos de um tombo qualquer. O caminho agora está cheio de muros altos, a parte boa é que eu encontro sempre pedras, que em vez de me prejudicarem, ajudam-me a passar-lhes por cima. Já passei uns quantos muros. Ultimamente e durante algum tempo, estava tão cansada que me deixei ficar em cima de um. Demasiado tempo. Era confortável. Dava para ver ao longe o caminho da felicidade plena, embora estivesse um pouco longe, dava-me a esperança de o alcançar.  Não me pressionava para saltar nem para correr atrás dela, apenas me aconchegava. E eu fui ficando. Às vezes habituamo-nos tanto ao que nos acolhe e protege, que acabamos por ficar. Acho que o tempo que fiquei me fortaleceu. Curei muitas das minhas feridas, aceitei muitos dos meus fardos e perdoei. Perdoei-me a mim, perdoei a quem me atirou do precipício, mas só para mim, só para meu conforto interior. 
Agora, passado este tempo todo, decidi fazer-me ao caminho e pulei o muro. Mas vou contar um  segredo: Estou aterrada de medo. Mas vou na mesma, porque sinto um empurrão invisível a dar-me força. Porque entre continuar ali sentada a imaginar um futuro ou começar a correr em busca da felicidade plena, eu escolho enfrentar a vida.
Agora entendo tanta coisa. Sou eternamente grata aos braços que me foram estendidos, às mãos que me foram dadas, às cordas lançadas e aos abraços quentes, ajudaram a erguer-me. Sou eternamente grata ao muro que me amparou durante tanto tempo. Foi a minha fortaleza. O meu amparo, a minha âncora, o meu porto seguro. E a vida ensinou-me que nunca nos podemos esquecer de quem nos foi leais. Jamais esquecerei.
Mas agora chegou a altura de ser mais feliz. Porque já me sinto forte. E eu mereço tanto ser feliz. Não mais nem menos que ninguém, mas neste meu espaço eu falo apenas de mim. Entendi tanta coisa ultimamente. Acho que a dada altura da vida nos conformamos e achamos que é o que há para nós e temos de aceitar. Eu quase me deixei ficar ali sentada.
Mas caramba, a vida fez-me forte, porque não ser ainda mais feliz? Nunca é tarde para seguir o nosso coração e para procurar aquilo que nos dá uma sensação de paz constante. Eu ansiava tanto por isso.
Paz.
Uma palavra tão pequena. não imaginam o quanto eu a desejei. 
Acho que me sinto segura o suficiente para dizer que a encontrei. Sinto-me segura o suficiente para colocar em palavras o amor que sinto que me abraça neste momento. Não o sentia há tanto tempo. Continuo com medo, mas a esperança é maior. 
Devemos todos escolher pular do muro quando a vida nos dá um vislumbre de que há muito mais para além dele. 




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