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A tragédia de já não sentir nada

Já não reconheço a tua roupa. Agora, quando te olho, é tudo estranho à minha recordação de ti. Não me lembro de ter dado opinião sobre os teus novos ténis, nem sobre essa tua nova camisola. Ficam-te bem, acho que te saíste bem, sem mim. Esse teu novo perfume, nunca fez parte dos cheiros que envolviam o nosso mundo. É tudo novo. A tua maneira de ver e lidar com as pequenas coisas que antes te passavam ao lado, surpreende-me. Deixam-me atenta, embora já não tenham um efeito que me faça duvidar um segundo do lugar onde quero estar. É estranho, é tão assustador, é frio este lugar. Quando sentimos amor, sabemos as respostas para tudo. Embora as vezes não as compreendamos, nós sabemos sempre quais são. Mas assim… Neste lugar arrefecido onde já não se sente nada, nós não temos resposta alguma. É o mesmo que andar descalço por uma floresta assombrada. Consegues imaginar? Antes, tudo fazia sentido, porque tu estavas ali. Agora, nada faz sentido, porque não estás, e o pior de tudo, é que tudo fazia ainda menos sentido, se estivesses. Percebes a dor que isto pode causar? Percebes o sentimento de impotência? Como é que as coisas desaparecem assim? Como é que aquilo que mais amamos na vida perde o encanto? A verdade é que não foi, simplesmente, assim. Foi aos poucos, à sombra de avisos e chamadas de atenção. Eu chamei-te tantas vezes. Eu disse-te tantas vezes que não queria chegar ao ponto de sentir-me livre sem ti. Agora, estou sem ti, completamente livre, e completamente presa a esta escuridão assustadora. É claro que a vida flui, é claro que o mundo acontece, e é claro que eu não paro de sorrir, mas às vezes, paro para pensar. Tenho medo de nunca mais conseguir sentir aquilo que tu me fazias sentir. Acho que nem me fazias sentir, mas eu sentia, somente de saber que éramos um só. Fui tão feliz contigo. Acho que nem te apercebeste disso. Houve momentos que só eu consigo guardar. Muitos deles, tu nem estavas comigo fisicamente, mas a felicidade que eu carregava era tanta, que tu não imaginas. Não imaginas mesmo. Se imaginasses, terias gasto mais as palavras que não foram sequer usadas da maneira correta. Terias agarrado mais, abraçado mais. Por isso, tu nunca soubeste. Tu nunca soubeste o bem que eu te queria, o amor que eu senti. Consegues imaginar se tivesse sido sentido na mesma intensidade pelos dois? Não havia sentimento no mundo mais formidável. Agora, só consigo sentir pena. Não de ti, nem de mim, mas de nós. Dediquei tanto tempo a construir algo forte, que agora se resignou a nada. É claro que tu também dedicaste tempo a isso, mas não foi o tempo certo, amor. Olhaste da maneira errada para quase tudo. Gastaste palavras quando o silêncio devia ser a resposta, tal como eu o fiz muitas vezes. Mas eu sempre quebrei o mesmo silêncio quando aquilo que tinha a dizer era mais bonito do que o som dos nossos pensamentos. Tu nunca fizeste isso, amor. Tu nunca me olhaste nos olhos e conseguiste ver a minha alma. Se o fizeste, eu nunca senti. Tu nunca disseste o que te ia na alma. E amar não é isso. Amar é agir, é completar, é ter atitudes que o comprovem. Uma coisa eu sei, amanhã, quando te apaixonares outra vez, eu tenho a certeza que saberás amar. Não vais desperdiçar nada. Vais achar que o mundo é pequeno de mais para transportar toda a tua vontade de viver. Vais-te achar fraco para transportar um sentimento tão forte dentro de ti. Vais adormecer a sorrir e acordar com vontade de correr sem parar. Vais querer olhar o mar, independentemente do vento que faça. Vais reparar mais vezes no céu, que antes não te dizia nada. Vais sorrir mais vezes, e vais sentir que o ar que respiras é puro, seja lá o que ele contenha. Quando te apaixonares outra vez, não vais deixar que o teu objetivo mais importante deixe de ser provar à outra pessoa o quanto a amas, o quanto a desejas, o quanto a queres na tua vida. Vais coloca-la à frente de tudo e todos. Não vais querer viajar sem ela, não vais querer viver experiência alguma sem a companhia dela. E à mínima atitude de rejeição, será como se te estivessem a arrancar o coração do peito.
Sabes porquê, amor? Sabes como é que eu tenho tanta certeza disso? Eu já estive apaixonada. Completa e irremediavelmente, e imagina, por ti.

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