Um dia, em algum lugar, alguém disse
“os apostos atraem-se”. Achei uma frase bonita. Tão bonita, que quis ter a
certeza se realmente continha verdade. E assim foi, explorámos a questão até ao
fundo, e sim, os nossos opostos foram a atração na forma mais plena que eu
conheci até hoje. Conhecemo-nos na altura em que tudo fazia sentido ser vivido
de forma intensa. E que intensidade. Mal sabia eu, que entrar naquele lugar,
naquele dia, ia marcar-me para sempre. Sempre acreditei em olhares que fazem
mira e atiram, e pior, que acertam e tu nunca mais os esqueces. Mas sorrisos,
sorrisos nunca me encantaram muito. Sorrisos são só sorrisos, pensava eu, até
ver o teu pela primeira vez. Estou a vê-lo agora mesmo. Daqueles que nos faz
sorrir também, cheios de boa disposição e com uma pitada de timidez. Mas ali
estávamos nós, frente a frente, a dar rosto àquilo que até então só tínhamos
imaginado. Não te imaginei nada assim, nem sei se te imaginei de forma alguma.
Esquisita como eu sou, claro que tu não ias surpreender-me, mas essa ideia
durou pouco tempo. O tempo suficiente até eu perguntar “como é que é mesmo o
nome dele?” e pegar na minha veia de inspetora e te encontrar, no meio nem sei
bem do quê. De te falar, nem sei bem porquê. Logo eu, esquisita como sou, e nem
sequer me tinhas surpreendido. Mas eu queria voltar a ver aquele sorriso. E
voltei. Essa é uma das melhores partes da vida, muitas vezes, querer é poder. E
no meio dos entretantos, nós quisemos tudo, e pudemos tudo. Um dia disseste “até
que me podia habituar a ti”, e habituaste-te mesmo. Tu, um miúdo cheio de
medos, inseguranças e vontades. Eu, uma menina cheia de sonhos, seguranças e
vontades. Era muito pouco o que nos fazia querer estar ali, mas sabe-se lá porquê,
queríamos tanto. Tudo aquilo que era estranho em ti, fazia com que eu quisesse
saber mais, questionar mais, aprender mais. E nós aprendemos tanto. Crescemos
tanto. Passámos pelos medos, pelas dúvidas, pelas incertezas, sempre de mãos
entrelaçadas. Sempre com um “estamos juntos” em mente. Isso tudo, suportado por
um amor que foi crescendo, sem que nos dessemos conta. Às vezes achamos que
conseguimos controlar e ter poder sobre tudo, e isso é provavelmente o maior
engano do ser humano. Ninguém manda. Ninguém escolhe. No máximo, torcemos para
que aconteça. E nós torcemos tanto. Não sabíamos nada. Com dezassete não se
sabe de nada. Com vinte e dois, continuamos a não achar. Mas pelo menos
começamos a perceber aquilo que dá sentido a quase tudo. Aprendemos a conhecer
outra pessoa, para além de nós, por dentro e por fora. Aprendemos finalmente
que a resposta “quando for amor, vais perceber” é realmente verdade. E nós
percebemos tanto. Foi amor. Foi tanto amor. Foi amor até esgotar, e acho que
depois de esgotar, ainda continua a ser amor. Nós não sabíamos, mas naquele
primeiro sorriso, já era amor. Foi amor, quando tu tinhas pouco mais que
moedas, bilhetes de comboio e vontade e isso era o que bastava para vires ter
comigo. Foi amor, quando tu não tinhas carta de condução, mas não sei como,
arranjaste uma mota e chegaste ao pé de mim com o nariz congelado, só porque
“estava cheio de saudades tuas”. Foi amor quando a pressa e a vontade de nos
consumirmos era insaciável. Foi amor quando os minutos se transformavam em
horas sem darmos conta, e ainda assim, o tempo era pouco. Foi amor, quando eu
adormecia destapada e tu me puxavas as mantas para cima. Foi amor, quando eu
acordei, a meio da noite, e tu estavas ali, de olhos fixos em mim, a sorrir. Foi
amor, quando ao acordar olhávamos um para o outro e dizíamos “dormi tão bem,
hoje agarramo-nos muito”. Foi amor, quando fizeste com que o que era de um,
desse para os dois. Foi amor, quando tu mal me estavas a deixar, já estavas a
querer fazer planos para o dia seguinte. Foi amor, quando tu tiveste a coragem
suficiente para vir, sem saber o que te esperava. Foi amor, quando no fim das
discussões esgotantes que tínhamos, nos abraçávamos e dizias “o nosso amor é
forte”. E eu sabia, sem que precisasses dizer. Foi amor, quando estávamos
embrulhados numa confusão de sentimentos, mas decidimos ultrapassa-la juntos.
Foi por isso que foi amor, porque estivemos sempre juntos. Foi amor quando tu
adormecias e eu ficava a olhar para ti, a beijar-te até te fazer acordar, só para
saberes que eu ainda estava ali, a amar-te com todo o meu coração. Foi amor,
quando tu me ligaste a pedir ajuda, depois de uma hora a achar que passava, e
eu perdi as forças, perdi o chão, mas voei até ti. Foi amor em cada lágrima
tua, que eu sentia como se fosse minha. Foi amor, quando depois dos telefonemas
desligados a meio de palavras que era preferível não terem sido ditas e
ouvidas, chegava um “vamos fazer as pazes”. E essa era a melhor parte. Quase
que valia a pena a tempestade, só para o calor confortante que o abraço das
“pazes” fazia sentir. Quem é que resiste a um “vamos fazer as pazes”? Acho que
foi aqui que nos desencontrámos. Faltou-nos um pedido de “pazes” que nunca
chegou a ser feito. Demorou tanto a chegar, que nos perdemos pelo meio. Ficámos
dentro do barco que balouçava dentro da tempestade, a achar que não tínhamos de
fazer nada. Que ele ia encontrar o caminho sozinho, sem termos de remar mais. E
logo nós, que tínhamos aprendido tão bem a remar. Acho que adormecemos, cada um
para seu lado, e dormimos tanto, durante tanto tempo, que já nem conseguimos
achar o rumo de volta, agora que temos tanta vontade de voltar a remar.
Mas vou-te confessar: ainda sei como
usar os remos. Acho que por algum tempo me esqueci, mas agora que olhei para
eles com olhos de ver, sem chuva nenhuma a turvar-me a vista, percebi que
apesar de cansados e cheios de mossas, ainda é possível pegar neles, eles ainda
nos conseguem levar longe.
Ainda te espero. Acho que sempre
esperei. Espero-te porque o teu nome nunca se descolou das minhas palavras.
Porque os momentos que passámos nunca foram esquecidos, eu fazia questão de os
relembrar, mesmo quando não devia. Ainda te espero, sempre que chego a casa e
olho para os sítios onde costumavas surpreender-me, porque sim, tu surpreendeste-me,
desde o primeiro dia. Ainda te espero, sempre que dou por mim à espera que
chegues, como costumavas chegar. À espera que voltes para trás e que digas que
foste só ali, e já aqui estás. Ainda te espero, porque no meio de tanto
tormento, tanta fraqueza de forças, tanta voz gasta, tanto caos, eu ainda ouço
o “vamos ficar bem”, e sim, eu ainda te espero. Vou sempre esperar, enquanto me
lembrar do efeito que tu provocavas em mim. E tu sabes amor, a minha memória
nunca falha.
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