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A despedida que não estava nos meus planos

Acho que nos perdemos algures por aí. Não sei dizer onde, nem quando. Se nos dias em que preferiste outros planos em vez de a mim ou nas noites em que deixei de me importar com o que seria a tua refeição no dia seguinte. Achei que íamos ficar juntos para todo o sempre, como nos filmes. Mas já sabemos, tu sempre me disseste que haviam coisas que só aconteciam nos filmes. Enganaste-me nisso. Provavelmente enganaste-te a ti também. Há coisas incríveis que podem acontecer na vida real.

Sabe que foste sempre presente, leal, amigo, protetor, cuidadoso, preocupado e parceiro. Para muitas mulheres isto seria o que basta. Mas eu sempre senti que o mundo tem mais para mim. Quase sempre ficaste feliz em me ver chegar, mais feliz ainda se eu já tivesse chegado antes. Preparavas a comida, tratavas das tarefas e davas-me um beijo de boa noite e de bom dia, todos os dias que passámos juntos. Não posso dizer uma falha nesse ponto, porque não houve.

Mas acho que foi aí que nos perdemos. Tornaste-te o meu melhor amigo. A pessoa em quem eu mais confiava, a pessoa com quem eu poderia contar para tudo. Amei-te com muita consciência e vontade, mas infelizmente, hoje, aos trinta anos, eu consigo perceber que só o amor não chega.

Um dia escrevi que «quem diz que o amor apenas não chega, já deixou de amar». Continuo presa nesta frase porque não a consigo decifrar. Acho que te amo, só não de forma suficiente a querer dividir mais a minha vida contigo. Por isso, sim, o amor só não chega. Mas acho que se fosse suficientemente amor, continuava a bastar.

É difícil este lugar em que me encontro. Viveste comigo quase um terço da minha vida, e isso é bonito. Partilhamos alegrias, tristezas, vitórias, derrotas, lutámos por coisas. Perdemos muitas. Ganhámos outras tantas. Amámo-nos e abraçamo-nos noites fora, desfrutamos de prazeres dias adentro. Mas perdemos o brilho nos entretantos. Desgastámo-nos sem darmos conta. De repente a água que me davas a beber deixou de me matar a sede, e o que te alimentava em mim, deixou de ser suficiente. Acho que este é um dos momentos mais tristes da vida. Aquele em que notamos que o que tínhamos todos os dias, se despedaça e não temos como voltar a unir as partes.

É um misto de dor com alívio. Queria voltar a sentir o que outrora senti. Queria que os teus beijos fossem os mais doces do universo, queria que me tocasses na alma, que o teu abraço me fizesse sentir noutro planeta. Mas isso já não acontece, infelizmente. O alívio vem na parte em que tive coragem para te dizer tudo isto, que hoje sinto. Admiti-lo para mim própria. Andava a tentar esconder há demasiado tempo. Pensei muitas vezes sobre, mas achava que a vida era feita de fases e esta era uma menos boa. Dura há tempo suficiente para já não a poder considerar uma “fase”, passou a ser o meu novo modo. Já não fazes parte do meu ser. Dói-me no coração admitir isto, porque na mesma intensidade queria que fosse mentira. Queria acordar e pensar que foi tudo um pesadelo, que continuo feliz só de te contemplar, que continuo a sentir-me completa apenas por passar tempo contigo. Costumávamos dar longos passeios, conhecemos sítios onde deixámos pedaços de nós e onde trouxemos partes. E isso costumava ser lindo. O nosso amor foi bonito, a alguns olhos perfeito. Mas em algum lugar, deixámos de regar as flores. Deixámos de cuidar do jardim, achamos que bastava olhar para ele. E agora é tarde demais. Espero que me guardes com amor, como sempre te vou guardar a ti. Esta é a minha despedida. Sem mágoas, sem arrependimentos e sem rancores, a que não estava nos meus planos, mas passou a ser a única alternativa. 

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