Sorriu-me. De tantas pessoas que existiam no mundo
capazes de lhe dar aquilo que ela precisava, foi logo a mim que ela foi sorrir.
Não é comum às mulheres que já conheci, acho que ainda
nem mulher é, mas não tem medo de se atirar mesmo que seja para o abismo. É tão
certa daquilo que sente que me assusta. Assusta-me na pressão que me causa, por
eu não saber lidar com ela. Só se queixa de pressão quem não a aguenta. Eu não
a aguentei. É tão segura de si, tem tanta vida, que me afasta. A ingenuidade
dela permitiu-lhe acreditar em homens como eu, adultos, experientes, mas que se
esquecem que ninguém é adulto suficiente no que toca a sentir. Fez-me sentir, e
eu assustei-me. Fez com que me faltasse a coragem, e eu fiz com que me faltasse
a mim. Não era a melhor do mundo, mas nem cheguei a perceber se podia vir a ser
a melhor do meu mundo, por falta de coragem e paciência. Faltou-me a coragem
para a olhar nos olhos, a coragem para a abraçar no meio da rua cheia de gente,
a coragem para deixar crescer aquilo que estava a sentir, a coragem para
enfrentar o que aí vinha. Nem chegou a vir. Faltou-me a paciência para reconhecer
o lado que eu já me esqueci que existia. Dei-lhe uma lição, mesmo quando não
era disso que ela precisava.
Ela vai continuar a passar e a fazer corações bater mais
depressa, mas dessa vez o dela já não vai bater por mim. Aquele sorriso já não
me terá como motivo e a vida vai-me mostrar isso. Vai mostrar-me isso quando a
vir, linda como sempre, confiante como a conheci, a sorrir para quem está
disposto a dar-lhe aquilo que eu não estive.
É claro que vou encontrar alguém melhor do que ela, mas
não vou encontrar ninguém como ela. É difícil achar alguém que nos dê tanta
liberdade fazendo-nos questionar a que tipo de prisão pertencemos afinal. É
difícil encontrar alguém que queira caminhar a nosso lado sem inventar outro
plano para complicar, alguém que queira sentar-se à nossa frente e se interesse
por nós e por tudo aquilo que temos para oferecer, é difícil encontrar alguém
que nos deixe ser aquilo que somos e que nos admire por isso. É difícil
encontrar alguém que ame, sem quês nem porquês. Alguém que dê sem olhar à
intensidade e à duração. Alguém que esteja disposto a tudo, sem saber de nada.
É por isso que não vai ser fácil, e mais cedo ou mais tarde, vou lembrar-me
disso. Talvez seja naquela noite quente de verão, onde os copos já bateram mais
de mil vezes uns nos outros e as gargalhadas sejam o som predominante, quando
os meus olhos se cruzarem com os dela e a encontrar feliz. Feliz, a olhar para
alguém como agora mesmo olhava para mim. Talvez aí eu me vá lembrar que era
aquela a miúda, nova demais, imatura demais, incapaz de mais, para ser capaz de
fazer de mim a pessoa que eu gostava de ser hoje. Capaz de me fazer sentir
livre e leve, mesmo estando preso a ela. Mas isso é num futuro indeterminado,
talvez numa noite quente de verão. Agora ainda faz frio, agora ainda é inverno
e eu vou passa-lo sozinho. Agora ainda não. Talvez amanhã a minha incerteza de
hoje me traga vontade e desejo, mas hoje ainda quero mais uma noite sem a
ouvir, sem a ver, sem a sentir e sem a ter por perto. Agora não quero estar
aqui, com ela a minha frente, a dizer-me tudo com o silêncio que agora nos
dilacera.
Agora perdi-a, mas fui eu quem a deixou ir.
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