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Principio, meio, fim

O passado é macio como algodão. É o atalho na mais longa das estradas, é o caminho mais fácil, mais rápido e também o dos menos corajosos. O passado tem cheiro de café quente acabado de tirar, de chuva num dia frio e de lareiras acesas. Aconchega como aconchegamos uma criança nos nossos braços. Sabe a lambidelas de cachorro feliz. O passado é como a nossa casa, sabe sempre bem regressar. Faz-nos lembrar onde tudo começou, onde passamos grande parte do nosso tempo. É tentador. Ao mesmo tempo que nos pisca o olho, dá-nos um chuto. É por isso que o cobiçamos. Mas isto era quando não conhecíamos o presente, que faz intenções de nos apresentar ao futuro.
     O presente é aquela gente boa, que nos intimida mas faz querer ficar ali, beber mais um copo, mesmo quando temos vontade de ir para casa, para nos sentarmos em frente à televisão com o passado. O presente insiste em algo que sabe que no fim da noite, nos vai fazer sorrir. Vem cheio de intenções. Nunca sabemos se são boas ou más, mas vem carregado delas. Desafia-nos. Faz-nos sentir arrepiados. Anda sempre de olho no futuro, e não perde uma oportunidade para nos dar a provar o sabor que ele pode ter, quando nos libertarmos, para o acolher.
     O futuro é diferente. Deixa-nos inseguros, cheios de dúvidas e receios. Faz-nos roer as unhas antes de termos um encontro com ele. Fumar cigarros até nos sentirmos intoxicados. Tem o poder de nos fazer tremer, mesmo quando nem sequer sentimos frio. Mas ao mesmo tempo, pode ser aquele que nos faz perceber quantas vezes um coração pode bater por segundo. Pode-nos fazer ter descargas de adrenalina, sentados numa cadeira. Pode mostrar-nos que melhor que estar confortável numa noite fria, é sentir o calor que essa mesma noite pode vir a ter. É aquele que tememos tanto, mas que no fim, nos faz questionar porque é que não o conhecemos mais cedo. É preciso coragem para acenar de longe, ao nosso querido passado, reconfortante e maravilhoso, que nos coloca uma venda nos olhos e nos faz pensar que a vida não passa de noites frias à lareira, sem nos deixar conhecer o sabor de mergulhar na praia, numa tarde de sol.

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