Passados oito anos, aqui estou eu. Crescida e a aprender
a lidar com os obstáculos que a vida me oferece, ela nem pergunta se eu os
quero, ela praticamente atira-mos para cima do colo como quem diz
“desenrasca-te”, mas vou-te contar uma coisa que te vai deixar feliz: tenho-me
safado bem! Quem diria a pessoa que eu me iria tornar. Com este feitio, estes
hábitos, estas manias, estes costumes. Dirias? Tenho vindo a aprender tanta
coisa, e engraçado, a maior parte delas eu já tinha ouvido falar há muito
tempo, hoje em dia, tenho-as comprovado a todas. Até me faz confusão, como é
que certas pessoas conseguiam estar tão certas quando diziam para eu ir por
aqui, e não por ali… Às vezes parece que estou rodeada de pessoas que preveem o
futuro, mas ainda assim, gosto de ser eu a ir por ali, para chegar lá e ter de
voltar para trás, o caminho serve de lição. Lições… Esta longa viagem está
cheia delas. Tenho saudades das tuas. Na altura não se podiam chamar de lições,
chamar-lhe-ia antes de conselhos. Eras tão sábio dentro das tuas
possibilidades. Eras tão grande!
Sabes, tenho saudades de ser pequenina. O que raio tinha
eu na cabeça quando dizia que queria crescer? Outra coisa que me diziam e eu
não acreditava, e agora, cá está a prova. Passou tão depressa. Tenho tão
presente na minha memória certos momentos, que conseguia descrever como se
fossem ontem. A relva verde, a árvore grande que fazia sombra, a cadeira branca
partida que se raspássemos lá com as unhas, deitava pozinhos brancos. As tuas
sandálias de pele castanhas presas por um arame… Meu deus, às vezes queria que
me levassem a minha memória, há momentos que só me faz passar mal. Não é este o
caso. No teu caso, traz-me tantas saudades.
Queria tanto
que me visses agora! Sou mesmo esperta, sei-me desenvencilhar de tudo, tenho
sempre um truque, uma manha, só queria que visses. Às vezes fico estupefacta
comigo mesma. Se calhar, tirei de ti muito desde saber desenrascar.
Sabes, já sei descascar maçãs, lembras-te quando me punha
atrás de ti à espera que as descascasses para assim que tivesses tirado a
última casca, eu saltar sem que tu desses conta? Se calhar sabias perfeitamente
que eu ali estava, mas fingias que não, para eu me sentir feliz. Se assim foi,
obrigada, é um dos momentos que mais tenho gravado na minha mente de puro
júbilo.
Entretanto, conduzo o teu carro, aquele mesmo que me
apanhaste a dançar em cima de socas, lembras-te? Era tão feliz na minha
inocência. Não sei se desta parte te orgulharás muito, mas é a realidade. A mãe
diz que sei conduzir melhor do que tu, e tenho tratado bem dele, quer dizer,
menos uma vez, mas já passou. Entretanto consegui alcançar um dos meus objetivos,
e tenho o meu próprio carro, disso, ias ficar contente.
Mais coisas… Estou na faculdade! Ainda me ando a orientar
quanto a isso, de forma a ser em grande, mas já lá estou, prometo que não vou
desistir.
Ah, outra coisa, eu não desisto de nada, é uma das minhas
particularidades. Às vezes, quando não vale a pena, eu abandono, porque não
gosto de perder tempo, mas desistir, nunca o faço.
Também trabalho, pois uma das coisas que tenho a certeza
que veio de ti, é que nada cai do céu. Isso vi eu, de ti, com os meus próprios
olhos durante treze anos.
Outra coisa, tenho um namorado! De verdade! E não estejas
já a torcer o nariz, porque ias adorá-lo. Já lhe disse muitas vezes que ele ia
gostar de te conhecer, e ele fica curioso.
Houve um desencontro de quatro anos. Mas ias mesmo gostar
dele, gosta de aprender de tudo um pouco, gosta muito do pai e admira bastante
as habilidades dele, também ia admirar as tuas. É curioso, quando vê os mais
velhos a fazer alguma coisa que ele não conhece e quer logo aprender como se
faz, ias ensinar-lhe tanta coisa. E também gosta muito dela! Trata-a com muito
carinho, tal como ela a ele. As vezes até dão abracinhos, gosto tanto de ver!
Ela também gosta dele, como ela é, se não gostasse sabes bem que nem lhe
passava cartão. Com a mãe então, nem imaginas a cumplicidade. É a melhor coisa
do mundo quando as pessoas que amamos se dão bem, apetece-me beijar a
felicidade, só para teres uma ideia.
Acho que se me visses agora, ias ficar feliz. Feliz e
orgulhoso. De tantos caminhos que eu podia ter tomado, acho que acabei por
escolher um dos mais acertados. Não faço nada que possa envergonhar alguém,
faço as minhas escolhas reguladas pelas opiniões que retido das pessoas e
focadas naquilo que eu acho ser certo. Ela costuma dizer “Todos os conselhos
ouvirás, mas só o teu seguirás”, e é sempre assim. Provavelmente já falhei, mas
se o fiz, será para mim, um dia mais tarde.
Acho que sou uma boa menina, quer dizer, entretanto já
sou mulher, foi aqui que nos perdemos.
Sou um bocadinho preguiçosa, eu sei, não foi isso que me
ensinaste, mas não tenho culpa, é mais forte que eu! Mas quando digo que faço,
faço mesmo. Sou um bocado como a justiça às vezes, tardo mas não falho. E isso
é o mais importante, não é? Não falhar… Não deixar as outras pessoas na mão.
Falharam-te a ti, e sei que se as coisas tivessem acabado de outra maneira e tu
estivesses aqui agora, jamais o permitirias. Aliás, na tua presença tão
imponente ninguém teria coragem para te falhar. Impunhas tanto respeito. Diz a
verdade, eu era a única pessoa que te conseguia pôr a rir e para quem tu não
conseguias ser duro… Às vezes quando me dizem que não tinhas um feitio fácil eu
começo-me a rir, penso que é mentira. Comigo era tão fácil.
Mas falando
agora a sério… fazes muita falta! Lembro-me tão bem daquele dia, daquela notícia,
dos meus sentimentos mistos, da confusão dos meus pensamentos. Sabia lá eu como
lidar com isso. Se queres saber, nem hoje eu sei. Só que às vezes, são vezes
como esta, em que tenho de dizer. Se calhar não digo nada com sentido, mas só o
facto de eu dizer, faz-me sentir tão bem. É como que um abastecimento. Dá para
enfrentar mais não sei quantas coisas com força e coragem.
Lembro-me também da manhã, em que não tive direito de ser
acordada. Estava sol, daquelas manhãs lindas de Dezembro, como as que temos
tido agora, em que faz muito frio mas o sol aquece todos os indícios de gelo. Aqueceu
tudo menos o meu coração. Esse acordou gelado.
Ninguém deveria ter de passar por esse frio que nos gela
a alma e todos os órgãos do nosso corpo. Devia ser tudo mais fácil, como um
vento, até podia ser numa manhã de inverno, mas no fim devia de nos deixar de
coração cheio. Mas não é assim, o coração cheio nunca voltará a ficar. Cada
perda é mais um espaço vazio. Mas dentro desse espaço, ainda cabem todas as memórias,
todas as lembranças e todas as coisas boas que me remetem a ti.
Sou tão nova para já não te ter, há coisas que só os
guardiões como tu conseguem dizer ou fazer… E agora? Quem é que faz o teu
papel? Não existe ninguém. Quem é que me chama para o pé e me quer dar
beijinhos até eu ficar farta? Entretanto, já ninguém me dá beijinhos até eu
ficar farta, e eu tenho tantas saudades de me fartar de ti! Fazes-me tanta
falta. A todos nós!
Amo-te para sempre, seja lá o que o para sempre
significar…
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