Avançar para o conteúdo principal

My head doesn't think anymore, but my heart keeps feeling

Quando somos crianças tudo é inocente… Começamos por ir à escola e levar sempre o lanche de casa, usar uma mala maior que nós às costas e outra a tiracolo para levar uma carteira e um telemóvel onde só consta o número da mãe, do pai, e da avó, o avô não liga muito a telemóveis. No autocarro para a escola vamos sempre em pé e à frente, lá atrás é o sítio dos “grandes” que arranjam sempre lugar. Consecutivamente crescemos mais um pouco, e a mala a tiracolo deixa de ter utilidade e o generoso telemóvel passa para o bolso das calças. Negamo-nos a levar o lanche de casa, eis a altura em que pedimos umas moedas para uma sandes e um pacote de leite, comprado por nós. Começamos a querer ser adultos e arranjamos um pseudo namorado, ao qual dizemos “Somos namorados mas nada de beijinhos na boca”. Brincamos com barbies e fingimos que somos nós a ir a bailes, a sair, ou a simplesmente estar em casa com o “ken”, como se a vida fosse apenas isso… Ao longo dos tempos, crescemos. Deixamos de usar as malas carregadas de livros, depositamos a nossa confiança num pequeno cacifo fechado às chaves. Ficamos duvidosos quanto ao estilo de roupa, e à imagem que exibimos de nós, perante os outros. Deixamos de ir em pé no autocarro, agora é a altura de sermos nós a ir sentados. Chegamos à altura que tanto desejávamos, e afinal… Não é assim tão caridosa… E quando damos por nós, queremos voltar a ter um ken, aquele que quem moldava, éramos nós próprias, a quem dizíamos “agora é a parte do beijo”, e levávamos a boca dele à boca da barbie, e já está.
Iniciamos todo o nosso percurso com um ken, mas agora verdadeiro, aquele que não temos liberdade para moldar, aquele que não temos autonomia para pensar por ele e aí, tudo se torna mais difícil. Começam os exames da escola que vão valer um pouco mais, quem sabe para um bom futuro. Começam as chatices com os pais, porque não nos deixam ir beber um copo ao bar onde os amigos mais velhos já podem ir há muito tempo. Começamos a desejar um beijo na boca, mas temos medo porque agora somos nós a barbie. Até que ele se dá… O afecto começa a ser cada vez maior e como crescidas que pensamos ser, pensamos em dar até mais do que um beijo, porque não?
Corre tudo minimamente bem, até o dia em que o rapaz dos beijinhos nos atira com a mais afiada flecha. Deparamo-nos numa situação nunca vista, como se nada mais existisse. Os pais deixam de ser quem decide o que nós queremos ser, pois deixamos de lhes dar ouvidos. Queremos desaparecer de ao pé de tudo e todos, e apenas procuramos uma justificação para tanta revolta, procuramos, procuramos e ela parece não existir. É a altura da adolescência, onde só os amigos é que sabem, só eles têm razão, mas no fim vem-se a descobrir que afinal, não eram bem amigos, afinal, eram apenas pequenos seres como nós à procura de um pouco de afecto e a querer parecer com uma grande experiência de vida, não são nada…
Mentalizamo-nos de que é apenas uma fase, e que vai passar. Arranjamos até outro rapaz com o qual pensamos que os beijinhos deste não vão magoar, mas rapidamente nos apercebemos de que apenas um rapaz, é aquele que devemos dar valor. Voltamos à luta, e até conseguimos voltar ao conto de fadas, mas acaba por vir a bruxa e estragar tudo. Volta a revolta, as duvidas e a falta de compreensão por parte de todos aqueles que nos rodeiam. A bruxa acaba por deixar de causar distúrbio, mas o rapaz ainda continua a mandar flechas. Mas como nós somos fortes e gostamos dele, continuamos a secar a ferida e ficamos na esperança de que ele desista de tanta dor causada. Passamos meses, até alguns anos “perdidos” a pensar que ele um dia vai deixar de o fazer, ouvimos muitas opiniões, levamos muito na cabeça e erramos muito, até ao dia em que arranjamos um professor mais chegado ao qual contamos todos os nossos problemas, vemo-lo como um irmão mais velho, que sabemos que nos quer bem e tem todo o prazer em nos ajudar, seguimos os conselhos dele e chegamos à conclusão que ele afinal, até tem a sua razão.
Um dia em que as forças estão no nível mais baixo chegamos a casa sem dizer “boa tarde”, corremos para o nosso quarto, mandamos a mala para o chão e deitamo-nos na cama a chorar, como se tivemos o oceano dentro dos olhos e quisesse sair a todo o custo. Acabamos por ganhar coragem e contar à mãe tudo aquilo que nos vai na cabeça, pensávamos que ela ia dizer “quando cresceres, isso passa” mas ao contrario daquilo que nós pensamos, ela surpreende-nos com uma conversa exemplar, conta-nos coisas acerca de o seu primeiro grande amor e finalmente descobrimos que não somos a única pessoa que agora chora lágrimas de sangue… Rodeamo-nos de um silencio que é travado apenas por uma só voz, a voz da razão.
Acreditamos mais uma vez que é uma fase, convencemo-nos de que estamos envolvidos no “primeiro grande amor”, e começamos a perceber que por muito tempo que passe vai ser sempre o primeiro e vai ser tão inesquecível. Permanecem apenas as lembranças dos beijos, dos abraços, dos carinhos, das promessas que achávamos ser cumpridas até ao último acordo. Recordamos as tardes estupendas, os passeios, os amigos em comum, as palavras que queríamos ouvir. Relemos as cartas escritas, as mensagens enviadas, os textos dactilografados. E choramos…
Sentimos saudades de todos esses tempos, sentimos uma dor que o comprimido não cura. Desejamos mais que tudo, que o tempo volte para trás, sentimos raiva do mundo, e ainda permanece em nós a dúvida do porquê de todo aquele “mundo perfeito” ter deixado de existir. Temos vontade de fazer disparates, vontade de partir tudo e de descriminar toda a gente. Perdemos a vergonha de dizer o que achamos de certas pessoas, ganhamos coragem para enfrentar certos problemas e aprendemos a ser alguém… Não nos deixamos levar por ilusões e descobrimos que afinal não existe pessoas perfeitas, não existem pessoas capazes de construir um castelo e de formar um conto de fadas…
Compreendemos que à que dar tempo ao tempo para certas tempestades acabarem para dar lugar à bonança… Com tantos factos concluímos que seguir em frente, é a melhor opção. Mentalizamo-nos de que nada é fácil e que esquecer alguém não será uma excepção, temos o poder de ser uma espécie forte, capaz de encarar o desabo de qualquer monumento e conseguimos passar pelo tal rapaz e sorrir, cumprimenta-lo e até perguntar se está tudo bem com a certeza de que vamos ouvir um “sim” com toda a convicção. Conseguimos até dar uma resposta agradável e simples. Conseguimos sorrir e falar durante alguns momentos, mas assim que viramos costas voltamos a todos os pensamentos, a todas as lágrimas, voltamos à revolta. Torna-se tudo num quotidiano e no fim de percebermos que o fim está presente, aprendemos a viver com isso e tudo fica inalterável.

“Parece-me claro, mas doloroso” 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Depois do medo, vem o mundo"

No dia que li esta frase, foi o momento em que entendi tudo.  Depois de toda a tempestade que passou por mim, senti finalmente que descansava sob uma cama de nuvens, cheia de conforto. Achava que era aquilo a recompensa por tudo o que já me tinha atormentado no passado e entreguei-me sem medo. Entreguei-me como quem está tão cansada que coloca as decisões nas mãos de outra pessoa e desfruta do caminho.  Mas Deus tem sempre um plano maior para nós, mesmo quando não entendemos.  Vivi os melhores dias da minha vida, as melhores semanas e os melhores meses. Amei, fui amada, cuidei, fui cuidada, abracei, fui abraçada, beijei, fui beijada. Depois veio a escuridão. Fui deixada como quem fecha uma janela num dia de sol. Assim, nessa rapidez. Os sonhos, os planos, toda a vida que sonhei, puxada debaixo dos meus pés de repente e sem qualquer hipótese de recuperação.  Seguiram-se dias muito duros. Em que me questionei a mim própria, perguntei-me onde é que não fui suficiente, o...

O que fica, quando alguém se vai

 Após um ano e oito meses de “você é a pessoa que eu sempre quis” “que mulher incrível” “eu nunca te vou deixar, você é a mulher da minha vida”, noites de amor, manhãs de promessas, viagens incríveis e uma vida leve, ele foi-se embora com meia dúzia de malas e um “preciso de paz” preso na língua.  Ele foi, mas eu fiquei. Perdida em pensamentos e à procura de respostas que eu não sabia sequer se iam chegar.  Ao fim de dois ou três tombos na vida, não que fiquemos imunes, porque nunca ficamos, mas aprendemos a lidar com as imprevisibilidades da vida. Desta vez, mais madura e mais consciente, percebi que aquilo que os outros fazem, dizem ou decidem, é sobre eles, não sobre nós. Não nos define.  Este término não fez de mim menos mulher, mais fraca, ou menos capaz. Pelo contrário. Fez-me entender que a intensidade não é para todos, que o fogo queima, arde e faz doer e que chega a um ponto que ninguém quer viver nas chamas. Fez-me entender que quem não conversa com os seus...

Akai Ito

Despedimo-nos com um aperto no peito, um olhar triste e uma promessa de regresso que sabíamos que não íamos cumprir. Disseste-me "Vai viver a tua vida, sê feliz, um dia a gente encontra-se".  Eu podia viver mil vidas, tinha a certeza que esse encontro não ia acontecer.  Fomos viver a nossa vida. Vivemos experiencias que certamente naquela época, juntos, não seria possível. Explorámos tudo o que havia para explorar, separados. Fomos vida, demos vida, deram-nos vida a nós. Felizmente, agora sei, não a suficiente. Lembro-me de querer sempre saber de ti, perguntar por ti, não perguntar e ainda assim querer saber se eras feliz. Lembro-me até de ficar feliz pelas tuas conquistas. Guardei-te com amor e carinho num lugar só teu onde mais ninguém tinha acesso e o tempo passou. Faz quinze anos que te amei ao ponto de sofrer horrores por saber que não podíamos ficar juntos, embora quiséssemos. Éramos miúdos. Cheios de vontades e com pouca sabedoria. Olhar para ti naquela altura era como...